quarta-feira, junho 28, 2006

Alguma família

Se há coisa que eu nunca fui, foi ser ingrata. Não senhora...
Sempre me ensinaram que, por pouco que a gente tenha, uma pessoa deve estar sempre agradecida e feliz.
E eu sou assim. Nunca ninguém me ouviu a queixar fosse lá do que fosse.
E razões tenho eu... se fosse agora desfiar o rol de desgraças que se me têm acontecido desde o dia em que nasci... meu Deus... nunca mais daqui saía.
Por exemplo... tinha eu oito para nove anos, morreu-se a minha mãe e o meu paizinho... assim, duma vez só... ceifou-se-lhes a vida. Tinham ido os dois, coitadinhos, até à boca do inferno para a minha mãe fazer um trabalho qualquer que uma senhora que via coisas, espíritos e assim, tinha mandado a minha mãe fazer. Pronto, estavam a eles a rezar e a atirar bracinhos em cera ao mar, vem de lá uma onda do mal e levou-se-mos para sempre. Diz quem assistiu que o meu pai ainda gritou por mim...
Por isso é que só acabei a quarta classe mais tarde. Foi por causa do trauma... e também porque a minha tia Quinita me pôs a trabalhar para ela. Ela, coitadinha, sempre foi muito boazinha para mim e quis logo por-me a servir lá no lugar que ela tinha. Era bonita a minha tia Quinita, assim larga de anca, mulher parideira, como se diz lá na minha terra. Coitada, morreu solteira, nunca nenhum homem lhe pegou.
Fiquei com ela até aos doze anos. Nessa altura a minha madrinha Arlete, que era cá de Lisboa, mandou--me vir buscar para perto dela.
E lá vim eu... ainda me lembra... o que eu vinha deslumbrada, nunca nos dias da minha vida tinha eu visto prédios assim, com cinco ou seis andares... meu Deus... estava radiante.
A minha madrinha Arlete era assim uma senhora bem apessoada, e muito activa. Gritava-me um bocadinho... por causa das coisas da higiene e assim... eu estava habituada a tomar o meu banhito assim de longe a longe e a minha madrinha era muito asseada, coitadinha.
Era tão boa pessoa... morreu com uma lasca de sapateira na garganta. Ficou toda roxinha. Coitadinha.
Bom isto agora está-me a dar uma grande tristeza e eu ainda tenho que fazer umas coisas na cozinha. tá, tá

2 comentários:

M. disse...

ai as saudades... que lindas memórias, que até se me vieram as lágrimas aos olhos...

Dolorosa

Anónimo disse...

Ao ler estes escritos, não consigo evitar o lacrimejar...
Alguem tão puro e simples com uma escrita tão perfeita e tão sentida...
Faz-nos pensar que será feito dela, onde está a Laurinha?

Será o meu objectivo a partir deste momento encontrar essa pérola que, acredito, será a minha luz, a minha salvação, o meu amor!!

Daquele que já a ama mas que prefere manter-se anonimo:
Homem Anónimo