terça-feira, junho 27, 2006

Aposentação

Hoje posso considerar-me feliz. Aposentei-me!
Dediquei quarenta e cinco anos, mais os seis meses e três dias que esperei pela resposta da minha aposentação, à função pública. Com orgulho servi o meu país e os meus concidadãos.
Fui telefonista. Dominei o Pbx durante quinze anos, depois, com a quarta classe acabada, concorri a escriturária dactilografa e consegui. Não foi à primeira, porque treinei numa máquina HCESAR e o teste foi numa AZERT. Atrapalhei-me um bocadinho. Mas à segunda consegui.
Ainda me lembro... passei eu, a Justa e a Dolores. A Suzete ficou-se pelo Pbx, fez quatro erros ortográficos. Na altura ainda tivemos pena. Mas depois a Suzete ficou muito invejosa do nosso sucesso e começou a fazer-nos a vida negra com mexericos e mentiras e coisas assim. Não esperava, confesso, e fiquei muito sentida. Já se vê, uma pessoa trabalha ao lado da outra durante anos e depois é só facadas nas costas. Eu penso cá para mim que ela não estava sozinha na coisa, não senhor. A Dolores sempre com aquele ar que não parte um prato... sempre a levar e a trazer... uma pessoa desconfia. Também tiveram as duas um fim tão triste.
A Suzete, coitadinha, num dia assim de muita trovoada, estava a passar uma chamada para um sr. engenheiro do quarto piso, (por acaso um sr. muito simpático) caiu um raio e olha... lá ficou ela agarrada ao Pbx... Foi uma carga de trabalhos para a tirar de lá... toda retesada... Ele há cada maneira de uma pessoa se ir que eu às vezes nem sei... meu Deus. Já a Dolores foi a apanhar o cacilheiro... coitada, aquilo foi um azar. O rio estava bravo e o cacilheiro baloiçava um bocadinho... ela alçou a perna para entrar só que pisou em falso e, coitadinha, lá ficou toda esmigalhada. Não foi bonito, não senhor.
E olha... lá ficámos eu e a Justa... Anos e anos a trabalhar lado a lado na secção. Ela tratava dos processos dos funcionários que iam para o estrangeiro e eu dos que trabalhavam no ministério... Fomos chamadas por duas vezes ao gabinete do sr. director para recebermos cada uma um louvor. Isto uma pessoa não se esquece, é o que se leva desta vida. Eu agora de repente tenho de ir. Estão a bater-me à porta, deve ser a Amélia, que mora ali no 11, por cima da mercearia do Hipólito o coxo. Ela ficou de cá passar para bebermos chá e comermos umas bolachinhas, espanholas, de manteiga que me trouxeram de Badajoz. Ta,ta.

2 comentários:

Miss Kin disse...

Esta escrita é-me tão familiar...

Joana disse...

Ora aqui está um bom começo!
Sim, senhor!
A ver onde isto me leva!
:)